Notas sobre O Piloto e o Martelo de Borracha A instalação O Piloto e o Martelo de Borracha foi realizada primeiramente no Paço das Artes (São Paulo-SP) como contribuição para a exposição coletiva “O Contato”, a qual teve a curadoria de Stéphane Huchet e a participação dos artistas Patrícia Franca, Elyeser Szturm, Maria Ivone dos Santos e Élida Tessler. O Piloto e o Martelo de Borracha teve posteriormente uma nova versão durante a exposição individual de mesmo nome ocorrida na Galeria Sete ao Cubo (Pelotas-RS). Nas duas montagens foi enfatizado o aspecto da pontuação, desta vez não mais através do uso literal dos signos gráficos, mas através da utilização de objetos e do jogo com as distâncias, as escalas e as proporções. Pontuava-se, por assim dizer, o uso das paredes ou painéis expositivos como lugar por excelência de inscrição das obras dentro das arquiteturas e dos espaços de exposição. Esta instalação situa-se em continuidade com minhas pesquisas, onde são experimentadas as relações entre pontuação e espaço de apresentação. Anteriormente, estas pesquisas concretizaram-se em várias exposições e obras tais como Conjunto Vazio, Plano de Pasaje ou Falhas e Rasuras. O Piloto e o Martelo e Borracha é constituída por diversos elementos dispostos nas paredes: árvores utilizadas em maquetes de arquitetura, lupas, martelos de borracha. As lupas foram colocadas isoladas ou sobrepostas em até cinco vezes, fixas nas paredes por meio de suportes metálicos de diferentes alturas. Estes são como que extensões das mãos na posição de segurar e observar através do instrumento. As lupas não focalizam nenhum objeto em especial, apenas algumas áreas das paredes e painéis. A instalação trabalha o imaginário de algumas posições do olhar, e de seu deslocamento tanto físico quanto semântico, através de certas pontuações no espaço de apresentação. Há um jogo entre deslocamento e imobilidade, entre distância e contato. As árvores em miniatura surgiram de uma experiência quase alucinatória que tive numa loja de materiais para desenho. Ao visualizá-las ocorreu-me uma sensação estranha. Era como se elas se mantivessem distantes por mais próximo que eu estivesse delas. Os martelos de borracha em relação às paredes trabalham uma sensação de resistência, de barreira, de matérias que se interpelam e que testam e atestam densidades. As lupas são instrumentos ópticos que ampliam a visão de alguma coisa, quando necessitamos analisa-la, estuda-la ou quando aí procuramos indícios que possam resolver uma incógnita. O uso que fazemos delas em relação a visualidade também necessita deslocamentos, passagens, questões. As lupas não ampliariam um problema, ao invés de resolvê-lo, de situá-lo mais precisamente? Ampliação do lugar do contato. A intensificação dos pontos de contato. Como ampliar a intensidade de nosso contato? Como interrogar as superfícies de exposição, as faces expostas do lugar de exposição? A utilização das paredes / painéis como constitutivos do mostrar numa exposição, e que na maior parte do tempo são naturalizados, quer dizer, não são mais vistos. Deve-se a um feliz acaso o fato de que o diâmetro do cilindro de borracha preta do martelo possuir as mesmas dimensões do diâmetro do cristal circular da lupa. Vemos formarem-se passagens e intervalos então, entre um olhar de aproximação, um olhar de sobrevôo, de distanciamento, e um olhar onde está incluído um não-olhar, uma extrema aproximação, um esconder. O contexto, a partir do qual penso este projeto e onde ele se inscreve, é ao mesmo tempo o do espaço do Paço das Artes (espaço para expor arte) ou o da Galeria Sete ao Cubo, e o da noção de exposição. Poderíamos considerar uma exposição como um espaço para a dúvida? O mostrar enquanto que abertura? Através do contato procura-se conhecer algo que está fora de nós, fora do nosso conhecimento: Só se procura, só se busca, o que não se tem. O contato produz diferença. Situando-me de um ponto de vista mais geral em relação à démarche, constato que a pontuação inscreve-se como uma espécie de operador atuando no espaço de apresentação. A pontuação pode organizar uma seqüência (o que vem antes, o que vem depois), uma seqüência de eventos, de apresentações. Ela cria espaçamentos. Sua ênfase aqui é no sentido de um encadeamento intervalar. A pontuação instaura intervalos na seqüência de operações sobre a forma e a visualidade. Nas obras realizadas por mim, sejam ela feitas com uma pontuação que utilize parênteses, com objetos ou com outros meios, elas não são produzidas como um objeto autônomo, ou como uma obra que defina de uma maneira enfática o seu dentro e o seu fora. Essas obras não se comportam como uma imagem ou um desenho circunscrito por uma espacialidade contínua e homogênea, que assegure uma passagem definida entre o espaço da obra e o espaço do mundo. Esta heterogeneidade nos permite uma posição alternada ou em descompasso face ao continuo do espaço de apresentação instaurado pelo evento. Isto abre a possibilidade da obra enfocar algumas de suas condições de visibilidade. Daí a importância da noção de inscrição, pois a pontuação vem posicionar-se dentro de lugares e situações, levando em conta o que não é próprio, o que é heterogêneo, desencadeando um processo de inter-relação. Inscrever é o ato que produz aberturas numa seqüência de espaços, discursividades e situações, efetivando a entrada da pontuação, o seu intercalamento. Helio Fervenza 2003 |
||