transposições do deserto

Transposições do Deserto
Proposta para desenvolvimento e realização coletiva entre duas escolas na fronteira Brasil-Uruguai.

Ano: 2003
 
Transposições do Deserto Transposições do Deserto


Transposições do Deserto foi concebida em 2003 dentro das atividades do “Projeto Areal” (coordenação de Maria Helena Bernardes e André Severo), e realizada nesse mesmo ano na fronteira que separa as cidades de Sant'Ana do Livramento (Brasil) e Rivera (Uruguai). A partir do convite de Celina Albornoz, santanense e incentivadora do Areal, para lançarmos as publicações do projeto, foi-me oferecido também a possibilidade de realizar alguma atividade relacionada ao que vinha desenvolvendo nesse âmbito.

Como eu nasci e vivi durante anos nessa fronteira, tendo aí realizado outras experiências e não querendo produzir mais um objeto, imagem ou monumento relacionado à singularidade desse lugar, interessaram-me mais as possibilidades existentes nas relações entre os moradores de ambos os lados, suas características e culturas. Fiz uma proposição, então, de que ocorresse uma troca entre escolas situadas de um lado e outro da fronteira. Durante alguns meses, de uma forma muito simples, estabeleceram-se conversas, consultas e contatos com escolas e professores. À medida que as pessoas aceitaram a proposta inicial e envolveram-se no projeto, este foi sendo elaborado e modificado. Ele consistiu, finalmente, na realização de uma troca de professoras entre uma escola situada do lado brasileiro e uma escola situada no lado uruguaio. Durante um mesmo período, e simultaneamente, estas proferiram em suas línguas respectivas uma aula de geografia sobre desertos. As aulas ocorreram entre as 9h e as 10h do dia 21 de novembro de 2003, uma sexta-feira. Elas foram realizadas na Escola Rivadávia Corrêa, em Sant’Ana do Livramento, pela Professora Beatriz Tarocco, e no Colegio Rodó, em Rivera, pela Professora Carmozina.

Por conseguinte, várias trocas então ocorreram tanto simbólicas quanto culturais e sociais: troca entre países, entre línguas, ou seja, espanhol e português, troca entre uma escola da rede pública e uma escola privada. Mas também ocorreram trocas entre diferentes abordagens de um mesmo assunto, o deserto, o qual foi desenvolvido pelas duas professoras sob vários ângulos, como, por exemplo, o de sua constituição física, o de sua formação, da geografia humana, das questões ecológicas. Outras trocas por sua vez deram-se entre os estudantes, que contribuíram com sua participação, suas perguntas, sua curiosidade, suas opiniões.

A escolha das escolas deu-se voluntariamente pelos participantes, que decidiram também qual seria o nível das turmas envolvidas, no caso uma oitava série e seu equivalente no outro lado da fronteira, bem como o conteúdo e a maneira de apresentar esse assunto em aula, o qual de fato, não pertencia ao currículo.

Ao longo de toda a duração desse processo, que culminou com as aulas, foi muito importante a forma como ele foi vivenciado pelos participantes. Após a proposta inicial lançada, o envolvimento das pessoas fez com que ele se desenvolvesse a partir das decisões e das contribuições dos que o acolheram. É como se esse processo tivesse adquirido vida própria através de todos. Nesse sentido, a realização das aulas criou uma situação onde tudo era público, e ao mesmo tempo não havia público.


Helio Fervenza
2006